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O medo como acompanhante do desenvolvimento humano

Vou contar para vocês como o medo aparece no desenvolvimento do ser humano, e como a partir deste pode advir a coragem para lidar com as dificuldades sob forma de confiança no futuro.

O medo, no início, tem uma qualidade positiva, que é a conscientização que estou fazendo um passo para algo novo. Tem que desenvolver uma coragem para dar este passo.

Como seres humanos, temos o dom de recordar o que vivemos no passado e formar uma imagem do que pode vir a ser no futuro. O que é um dom maravilhoso, mas também pode ser um problema.

Na verdade, são dois dons, um é o da recordação, e o outro é da imaginação do futuro.

Destes dons, surge a possibilidade de criar uma força para desenvolver uma estratégia para lidar com o medo, ou seja criar uma força que o compense.

O crescimento da criança é acompanhado pelo medo. Diversos momentos que os pais passam, como casamento, mudanças de emprego, são acompanhados por medo.

A criança pequena está entregue ao medo, pois ela não tem a possibilidade de recordar e imaginar o futuro, ou seja, lidar de forma consciente com este. Até os 8 anos, as crianças não tem como nós adultos a possibilidade de saber o que é a corrente do tempo. Ela vive no presente. E também não tem uma vivência do espaço, ou seja, das distâncias.

Por isso, que nos primeiros 6/7 anos, o medo sempre tem uma qualidade existencial, ligada ao corpo. E assim, as crianças vivenciam o medo como perigo de morrer, ou seja, com esta qualidade e intensidade.

Na psicologia, isso já se reconhece como o medo primordial, arquetípico. Então, tem que lidar com esta criança pequena com cuidado nestes momentos de medo, para que o medo não se impregne no corpo e o acompanhe pelo resto de sua vida.

A partir do segundo setênio, ou seja, de 7 aos 14 anos, o medo tem uma qualidade mais anímica, ou seja, tem a ver com o relacionamento, com o social. Aí esta qualidade no jovem tem a ver com a capacidade de ter consciência, com o sentido da vida e com o medo do que virá daí para a frente.

Na infância e juventude, observam-se 3 fases do medo:

  • No primeiro setênio (0 aos 7 anos): medo relacionado ao corpo, existencial- medo da destruição de mim próprio;
  • No segundo setênio (7 aos 14 anos): medos sociais, anímicos;
  • No terceiro setênio (14 aos 21 anos): medo do que vem pela procura da tarefa.

Estas 3 formas de medo irão nos acompanhar pela vida toda.

A possibilidade de lidar com cuidado com estes medos na infância, é importante para que o adulto consiga lidar com estes medos no futuro. A pedagogia waldorf é uma pedagogia curativa que em si mesmo já proporciona esta elaboração destes medos.

Se nós deixarmos crianças pequenas sozinhas, enquanto elas têm medo, ou seja, entregues a este medo, sem ainda ter desenvolvido forças para lidar com eles, podemos correr o risco de ao se tornarem adultas, se sentirem completamente inseguras diante de situações que lhes causam medo.

Hoje em dia, o problema maior é que a gente acompanha demais as crianças, impedindo que surjam problemas, ou de aprender a lidar quando estes surgem, o que em si é um problema. Assim, estas crianças não conseguem criar a solução. Aí quando adultos, esperam a solução vir de fora.

A partir daqui iremos aprofundar ainda mais a questão dos 3 setênios e depois falar sobre os medos dos adultos.

O medo existencial, ou seja, do primeiro setênio, é o do nascimento. A gente tem que imaginar que o feto está totalmente protegido no corpo da mãe, acolhido, boiando no líquido amniótico, ou seja, não exposto ao peso da terra e com pouca luz. Aí começam as contrações, a criança é prensada no canal e é comprimida e expelida por este canal, o líquido amniótico flui e o cordão umbilical é cortado. Em seguida a criança está fora, exposta em uma situação completamente diferente do que era antes. Exposta à luz, ao peso, ao barulho e a experiência de estar sozinha.

Depois do nascimento, nos primeiros meses, sempre que a criança chora é necessário que a criança vivencie um relacionamento. Já se sabe que se deixar ela sozinha nos primeiros meses e não ter ninguém para cuidar dela, que isso impregna traumas que tem consequências para a vida inteira.

Então, nos primeiros 10/12 meses, é importante que quando o bebê expresse um sentimento de desagrado, que ele receba um relacionamento e alívio. Ele não tem uma estratégia para saber que ele irá receber uma ajuda em 10 minutos. A vinda da criança proporciona uma experiência de estar encarnada.

O bebê não tem medo nenhum.

O adulto em medo de ficar doente, de viver uma experiência de guerra, de fazer uma palestra, de perder o emprego. A gente conhece os perigos. A criança pula do alto e não tem medo, pois não sabe as consequências. O medo primordial é estar sozinho e não ter ninguém para lhe cuidar.

A criança tem que aprender devagar a ser um ser independente.

Com 9/10 meses surge nos bebes o medo de estranhar alguém. Demora quase um ano para que o bebê crie esta consciência do que faz parte do círculo dele e o que está fora. E depois disso, este começa a aprender a sair deste círculo, e deixar algo entrar neste círculo de relacionamentos.

Com 3/4 anos a criança já está em outra fase. Começa a vivenciar mais com a alma, mais anímica e começa a poder se expressar. Aí temos a possibilidade de ter uma visão do que está acontecendo na alma desta criança. Ela desenvolve uma fantasia sempre mais forte. Ela está ligada de uma forma mais forte com as forças elementais.

Agora nesta fase, de 3/4 anos surgem os medos do escuro, da tempestade ou de ter alguém embaixo da cama. Os adultos precisam levar a sério o que as crianças estão vivendo e as ajudar a suportarem o medo que estão vivendo. Os contos de fadas são uma ajuda. Até para nós adultos para aprendermos a lidar com os medos. Dizer você não precisa ter medo, não ajuda. A criança precisa vivenciar que a causa do porquê eu tenho medo é real mas há a possibilidade de desenvolver uma força para lidar com este medo.

Por exemplo, em um conto de fada, surge um príncipe que encontra seres horríveis no seu caminho que são perigosos, mas também encontram seres que os ajudam. Existe a possibilidade que o bem supere o mal. Isso mostra para nós a forma de lidar com os medos: desenvolver uma força de coragem, de confiança para superar estas tarefas que parecem um problema, mas que depois se tornam um aprendizado.  No segundo setênio a criança tem isso mais vivo e começa a vivenciar de forma mais anímica.

O ponto marcante da biografia da criança é o Rubicão, nome do riio que Júlio César,  atravessou. Se ele passasse pelo rio, ele não poderia mais voltar, teria que ir para a frente, vencer ou morrer. A criança, de aproximadamente nove anos, tem que ter a coragem de ir para a frente e entrar neste novo mundo e não voltar mais para a infância.

Rudolf Steiner descreve que este é o ponto mais sensível do desenvolvimento da criança. Ela começa a questionar tudo, inclusive tudo o que deu segurança no primeiro setênio e não está claro de onde virá a segurança a partir de agora. Uma questão típica que surge nesta época, é o questionamento se os pais são seus pais mesmo. Ela começa a perceber a diferença entre ela e os pais, e os irmãos. E com isso vem uma insegurança total, inclusive se ela é filha (o) mesmo dos seus pais. A criança precisa aprender qual é o relacionamento que ela tem com as outras pessoas e com o mundo.

Na internet é possível ver estatisticamente que mais de 50% das crianças tem medo da escola. Após passar a crise do rubicão, os maiores medos, os quais vem da escola são: o medo de fracassar, de perder os relacionamentos sociais, da competição. É importante se conscientizar que estes medos têm esta qualidade nesta fase e que seria bom se a criança tivesse alegria de aprender, de pesquisar o mundo. As crianças precisam de adultos que os apoiem, incentivem para que elas vivenciem a alegria de aprender e que relacionem aprender com errar.

O que a criança deve desenvolver, ou seja, a terapia para lidar com estes medos é ter alegria em aprender e em trabalhar e amor nos relacionamentos sem medo de errar.

Com a puberdade (14-21 anos), o pensar se torna mais individual e livre.

O pensar, a consciência, nasce mais na alma do jovem.

O jovem tem o medo que vem do futuro. O que será? O que vou fazer? Eu vou me tornar adulto e com todas as consequências pela minha vida e pelo mundo.

Nesta época, tem o medo e por outro lado, a possibilidade de formar as ideias de como poderia lidar com eles.

Mas se olharmos unilateralmente para o lado do medo, as perguntas são:

Quais as minhas possibilidades? O que posso fazer? Qual será a minha tarefa?

Acompanhando isso, tem a questão dos relacionamentos.

A quem posso confiar? A quem posso me ligar? Quais são os meus relacionamentos que são profundos?

Os pais e os pedagogos, não tem muito o que fazer. A questão para o adulto é estar disposto a conversar e estar presente quando o jovem precisar.

Para ajudar os jovens, precisamos ver como lidamos com os nossos medos. Medo é muito contagioso. Alegria e confiança também são contagiosas.

Como um exemplo do medo e da força que pode advir para enfrentar o medo, no dia 23 de junho de 2018, 12 meninos com idades entre 11 e 16 anos ficaram presos em uma caverna na Tailândia por aproximadamente duas semanas. Esta foi uma experiência real de sobreviver ou morrer. Como estes jovens conseguiram estar nesta situação sem entrar em pânico? E depois que saíram e relataram a experiência, foi muito interessante. Por muito pouco tempo eles tiveram luz e comida. Eles tinham água que pingava da parede da gruta. Foram duas semanas na escuridão. Eles tinham um guia com a idade de 25 anos. Este jovem líder, viveu um período em um convento budista. Este líder cantava, fazia meditação, irradiava serenidade e não sentia medo.

Nesta época em que vivemos da alma da consciência, o medo é uma questão de nossa decisão.

Queremos ter medo ou desenvolver uma consciência?

Quando eu decidi vir para o Brasil tive que decidir entre ter medo ou não. Isso é uma decisão.

O único remédio para o medo é a confiança. Eu preciso tentar ir no caminho de desenvolver uma confiança, confiança no mundo espiritual, em uma sabedoria do destino. Às vezes fazer um seguro pode me ajudar a ter confiança que se acontecer algo, eu estou seguro. Isso também me ajuda a ter confiança.

Também posso ter a confiança que existem relacionamentos, pessoas, que vão fazer o possível para me ajudar. Existe a possibilidade de fazer um seguro espiritual e se ligar à uma ideologia, se ligar a um modo de pensar que como uma ideologia tem a força de me dar segurança. Todas estas formas, são o fruto do medo, a necessidade de se reassegurar. Elas são uma ajuda exterior, mas elas sempre podem nos ser roubadas.

Realmente superar o medo só é possível por uma força positiva e não uma reação ao medo. Ao final de contas, uma confiança no meu próprio ser e na independência do meu corpo e de tudo que é externo. Esta confiança se torna a ponte para o mundo espiritual. E a partir daí isso se torna uma ideologia, uma consciência para que surja a confiança.

Para finalizar, vou ler o verso de Micael:

Temos que extirpar da alma, com a raiz, todo medo e terror aquilo que, do futuro, vem ao encontro do ser humano. Serenidade frente a todos os sentimentos e sensações perante o futuro o ser humano deve adquirir. Encarar com absoluta equanimidade tudo aquilo que possa vir, e pensar somente que o que vier, virá a nós de uma direção espiritual plena de sabedoria.

Em todo momento temos que fazer o que é correto e deixar o restante entregue ao futuro. Isso é o que temos que aprender em nossa época: viver em pura confiança, sem qualquer segurança existencial, confiando na ajuda sempre presente do mundo espiritual.

Realmente, hoje em dia não pode ser de outra forma, se não quisermos que a coragem submerja. Disciplinemos firmemente nossa vontade, e procuremos a revelação a partir do interior, todas as manhãs e todas as noites. ”

Rudolf Steiner

Isso deve ser repetidamente colocado à nossa frente.

 

Resumo feito por Mirlene Marcos Ramos de uma palestra proferida por Claudia McKeen