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O que um suicídio revela sobre a necessidade de humanizar as organizações

Um tempo atrás uma organização me chamou para ajudá-los em um momento muito delicado: um dos executivos havia se suicidado.

O meu primeiro impacto, ao receber o convite para ajudar esta organização foi pensar que talvez eu não fosse a pessoa certa, pois sou Coach e Consultora de empresas e não psicóloga clínica (entretanto, psicóloga de formação).

Só depois compreendi que se haviam me convidado era porque enxergavam este potencial em mim. Eu não tinha muito tempo, só alguns poucos dias para me preparar. Logo, tive a certeza de que eu poderia ajudá-los, não apenas por ser uma facilitadora de diálogos, mas porque um forte desejo de apoiar aquelas pessoas brotou em mim. Na minha família havia caso de suicídio e eu sabia da dor enorme que estavam sentindo.

A primeira coisa que perguntei para a minha cliente foi sobre como era esta pessoa que havia se suicidado.  Tratava-se de uma pessoa que estava afastada da equipe e que preferia trabalhar sozinha. Ela se sentia excluída, optava por ir até lá em horários alternativos para que não encontrasse outras pessoas e se sentia muito pressionada por não ter conseguido alcançar os resultados esperados na empresa. Além disso, havia falhado em um processo com um cliente, o que ocasionou uma multa para a organização.  A equipe percebia que esta pessoa não estava conseguindo fazer o trabalho dela dentro do prazo e sentia que isso sobrecarregava também a equipe.

Geralmente, uma situação de exclusão gera muita culpa. Então, imagine como estava o clima emocional. Era péssimo, existia muita culpa, tristeza e raiva.

Em seguida perguntei: quais eram as qualidades positivas desta pessoa que se suicidou? A resposta foi que na verdade ela não vinha demonstrando muitas qualidades positivas, pois a situação de convivência estava difícil já há algum tempo. Ela andava isolada.

Passei dias pensando em facilitar um diálogo que desse a oportunidade de relembrar as qualidades desta pessoa.

Hoje, no Brasil, acontecem aproximadamente 32 suicídios por dia, sendo que muitos destes são decorrentes de um quadro de depressão. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em dez anos. Segundo eles, até 2020, esta será a doença mais incapacitante do planeta.

ESCUTA AUTÊNTICA: O MELHOR REMÉDIO PARA DORES EMOCIONAIS

Chegado o dia de realizar o trabalho com líderes e equipes da organização no qual houve este suicídio, fizemos um grande círculo, colocamos o nome da pessoa e flores no centro. O resultado do trabalho foi que aos poucos as pessoas trouxeram à tona as memórias de muitas qualidades positivas do (a) executivo (a) que havia se suicidado como, por exemplo, a característica de ser gentil com os colegas, colaborativo (a), do esporte que apreciava, do estudo de um determinado “assunto”, o qual era bem diferente do trabalho que executava. E conforme as pessoas foram falando perceberam que talvez ele (a) não gostasse muito do que fazia, pois, os valores dele (a) se chocavam muito com o que precisava realizar em seu trabalho. Este talvez fosse um grande fardo, o que causava atrasos e desorganizações em sua rotina.

Mais importante que julgar, foi perceber que emergiu ali uma imagem humana de alguém que tinha muita luz, mas que também tinha dificuldades e sombras a enfrentar.

De acordo com Sergei Prokofieff e Peter Selgn, o motivo mais comum de suicídio é desejar terminar forçosamente para si mesmo o convívio com problemas insolúveis de natureza corpórea ou emocional.

As vezes pensamos que o suicídio ocorre porque a pessoa não está apegada com a matéria, mas muitas vezes é o contrário disso que acontece. Claro que isso é inconsciente e não significa que todo aquele que sente isso pense em se suicidar. Em muitos casos, o que ocorre é insônia, depressão, tristeza e ansiedade recorrentes, agitação e até mesmo outras doenças físicas.

Enfim, isso pode se expressar de muitas formas. O apego pode ser ao status, dinheiro, prestígio (ligados ao TER), busca de aprovação familiar e a pessoa está tão longe de poder atuar através de sua essência, dos seus dons (ligados ao SER), que ela cai em depressão. Começa a reclamar, se isolar e muitas vezes quem está próximo fica impotente diante da situação.

De acordo com Rudolf Steiner, isto ocorre pela grande obstrução interna e, dessa forma, requer como prevenção, a ajuda e direção amorosa de outros. E a escuta autêntica normalmente é o melhor remédio.

E neste caso, através do processo de escuta, a equipe foi acolhida. O processo deste diálogo foi uma oportunidade para as pessoas escutarem as dores organizacionais, do dia a dia de alguns processos que criavam disfunções na equipe e nas relações entre pessoas. E se escutando, surgiu também a vontade de se unirem para resolver os desafios comuns.

UMA ORGANIZAÇÃO COMO UM SER QUE TAMBÉM PRECISA SER ESCUTADO

Uma organização nasce de um impulso de uma ou mais pessoas para atender uma necessidade no mundo. Esta tem uma história, tem crenças, tem valores, tem uma ideia sobre onde quer chegar no futuro. Percebe a semelhança com um ser humano? A organização também passar por crises, e as vezes não consegue ver de verdade o que está acontecendo, pois, para fazer isso as pessoas precisam ser escutadas.

Muitas vezes a organização é liderada como se fosse uma máquina. As pessoas são colocadas em cargos ou tiradas deles como se fossem apenas peças de um sistema. Os projetos são entregues para execução como se fosse mais um produto sendo confeccionado por uma máquina. Pessoas são facilmente descartadas e processos são mudados sem a opinião de quem irá executá-los. Programamos as máquinas e elas executam, mas os seres humanos não são assim. Muitos chefes ainda dão ordens, e acham que estão sendo executadas. As vezes até estão sendo, por medo das pessoas de perderem o emprego, por necessidade de sobrevivência. Mas com que qualidade? Não os culpo, pois já fiz isso também. Na verdade, precisamos reaprender, esquecer um jeito e aprender outro novo.

Muitas pessoas me procuram pois estão infelizes com os seus trabalhos. Falam de uma chefia autoritária, de um ambiente onde não podem ser autênticos e muitas vezes se calam. Muita gente no lugar errado, fazendo algo que nem é o melhor que poderia fazer. Aí trabalho com elas, como coach para se lembrarem de quem são, de seus dons, para que possam tomar decisões e agir de uma forma mais protagonista. Porém a empresa, sendo um ser, também tem um papel importante de buscar desenvolvimento. E isso só acontece através das pessoas que fazem parte e de processos que envolvem escuta, dialogo, reconhecimento sobre o que está acontecendo e tomadas de ações conscientes na direção alinhada.

Muitas vezes, sem saber como endereçar os seus problemas as empresas buscam programas prontos que as ensinem algo moderno para resolvê-los, sendo que muitas vezes a solução está lá, nas pessoas. Só que nem sempre elas estão sendo escutadas em profundidade.

Humanizar é escutar, abrir espaço para diálogo, levar em conta que a empresa é formada basicamente por seres humanos e também é um ser em desenvolvimento.

Quando se trata de desenvolvimento, não há formula pronta! Cada organização é única e o trabalho de desenvolvimento deve ser único também, para que as pessoas possam juntas identificarem o que elas precisam. Isso é humanizar a empresa, algo bastante poderoso, pois quando fazem isso, as pessoas envolvidas percebem que são parte do problema, ou melhor, da solução. Que elas precisam se desenvolver para que a organização se desenvolva também. Todos ganham e o resultado vem.

Líderes, é possível fazer um trabalho que humanize a organização, no qual as pessoas reaprendam a escutar, conversar e serem autênticas. Há muito mais inteligência nos grupos e nem 10% desta é utilizada.

O mais lindo deste trabalho que contei aqui foi ver as pessoas percebendo que podiam encarar a situação como um presente para reverem suas relações, sua identidade coletiva, os processos e o que poderiam fazer para transformar tudo isso e melhorar a organização no futuro. Para eles, o desafio agora é sustentar isso e não parar, pois se desenvolver é muito trabalhoso e leva tempo.

Sou grata por poder fazer um trabalho como este, pois sempre que atuo no desenvolvimento de uma pessoa ou de uma organização toda, percebo que ambos damos passos para uma maior humanização em nossas relações e tenho a oportunidade de também descobrir os meus dons e aprender com cada um dos seres que se aproximam de mim.